Publicado originalmente em 19 de março de 2016 14:19
SOBRE A NEUTRALIDADE
(respondendo a alguns questionamentos)
Vejo muita gente dizendo-se “neutro”. “Os dois lados estão
errados”. E outras lenga-lengas. Na vida prática, na ação de sujeitos humanos
concretos, é muito difícil encontrar o “bem” em estado puro. E é muito fácil,
também, ficar de braços cruzados esperando que este “bem” caia do céu.
Na maioria das situações, não há apenas duas posições a se
analisar, a complexidade impõe diversos pontos de vista que levam à ponderação.
Há momentos, inclusive, em que se pode se abster de tomar um
posicionamento. Esta abstenção pode revelar uma dúvida, ou mesmo um terceiro
posicionamento que não esteja explicitado.
No entanto, há outros momentos da vida pessoal ou coletiva em
que se tem que fazer uma opção. Há algumas situações em que não há como ter
dúvida.
No atual momento, por exemplo, um dos lados defende o uso da
força e da violência para resolver os problemas, defende uma ditadura militar
que, depois de 20 anos de poder autoritário nas mãos (não se trata de um
governo democrático que tem que negociar para implementar suas agendas, ao
contrário eles tiveram caminho livre para fazer o que queriam) entregou um
país, na década de 1980, com hiperinflação, corrupção, crime organizado, Estado
aparelhado, violência, tráfico de drogas, uma dívida externa considerada
impagável, uma mídia monopolizada, centenas de pessoas torturadas e mortas, e
um abismo social gigantesco entre uma minoria detentora de bens e capital e uma
imensa maioria pobre, sendo uma boa parte desta em situação de indigência.
Além disto, este lado comete crimes claros, utilizando todo o
subterfúgio possível, sem receber qualquer tipo de punição. Utiliza-se do poder
judiciário de maneira, evidentemente, parcial. Utiliza-se da imprensa, cuja
função, exercida sob concessão pública, seria a de informar, para difamar e
achincalhar, cotidianamente, personagens e projetos políticos que expressam o
pensamento de grande parte dos brasileiros.
Neste lado, que alguns dizem que é simétrico ao outro, há
pessoas que defendem a homofobia, o racismo, o machismo, a mídia monopolista, a
privatização, o desmonte do Estado.
Há pessoas que xingam, de maneira vil e repugnante, uma senhora que é presidente da República, seja em passeatas ou em eventos internacionais.
Há pessoas que xingam, de maneira vil e repugnante, uma senhora que é presidente da República, seja em passeatas ou em eventos internacionais.
São estas pessoas os baluartes da moralidade?
Neste lado, há pessoas, inclusive, que estão utilizando de
violência contra qualquer um que represente algum tom de discordância. Estão
atacando e destruindo sedes de partidos e sindicatos.
Claro, isto tudo incentivado, abertamente, por uma mídia
covarde, com discurso partidário, unilateral e deformado.
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Sim, há erros em ambos os lados.
O lado que eu defendo tem uma responsabilidade grande na atual
crise, especialmente por ter apostado apenas no aumento do consumo e não ter
insistido na implementação de reformas estruturais que possibilitassem bases
ético-morais mais sólidas para a construção do país, a redução das
desigualdades e o aperfeiçoamento da democracia.
Sim, para o bem do país, deveríamos conversar, os dois blocos
(estes blocos, depois, se fragmentarão), reconhecer alguns erros e tentar achar
uma maneira de conduzir o país ao equilíbrio e à sensatez.
Mas a simetria que você alega não existe, especialmente quando
se refere a valores.
Ao tomar uma posição em defesa da democracia neste momento,
contra um golpe autoritário explicitamente arquitetado, você não está
endossando todos os erros cometidos por este ou aquele partido, apenas, num
momento crucial, está, de fato, mostrando quais sãos os seus valores mais
profundos.
O sistema democrático atual é ainda muito imperfeito. Temos que
lutar por melhorá-lo.
Mas o que está em jogo agora é a soberania popular e a defesa de
alguma ordem democrática que garanta o seu, o nosso direito, de votar, escolher
o que queremos, de termos direito de defesa quando acusados. De termos direito
à nossa privacidade. De termos direito a informações, sem tanta distorção, por
meio de meios comunicação mais honestos e democráticos que os atuais.
Você até pode ficar com sua reputação “’aparentemente intacta”
com a declaração de “neutralidade”. Sem ‘sujar as mãos’, tomando uma posição.
Mas no fundo da consciência você sabe que o que você chama de neutralidade é
apenas um profundo medo. E sabe que a sua “imparcialidade”, em verdade, reforça
um dos lados que está, neste momento, em posição de ataque. Dizer que é tudo a
mesma coisa, que são todos iguais, que todo mundo rouba é justificar o
descumprimento das leis e só piora a situação em que nos encontramos.
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