terça-feira, 9 de outubro de 2018



Caro colega (espero que ainda possa chama-lo assim) eleitor comum do PSL (estou falando com o vizinho, o colega de trabalho, o familiar, o atendente da padaria...),
Você diz se espantar com o aumento da intolerância neste momento: pessoas estão rompendo amizades (não só virtuais).
O que precisamos entender juntos é que o que está em jogo não é apenas uma questão de voto como escolha pessoal.
O que está em questão e gera todo este conflito agora é a mentira e a incitação à violência que, em suas postagens, estão juntas como duas faces da mesma moeda e talvez você não perceba.
Quando você compartilha notícias falsas, premeditadamente construídas, sobre Cotas Raciais, Lei de incentivo à cultura, feminismo, educação sexual etc. e torna isso público e central para o entendimento social contemporâneo, sem ter lido nada mais sério, sem ter participado de um debate em que fossem contemplados os vários lados, você está dizendo simplesmente que a verdade não lhe importa, o que importa é exterminar aquilo que você entende, ‘preconcebidamente’, como errado.
Daí será importante você compreender também a consequência dos seus atos. Para muitas pessoas estas coisas que você critica têm relação com a própria vida pessoal (e, às vezes, das pessoas mais próximas e queridas), com a sua sobrevivência material, cultura e psíquica.
É claro que, para tais pessoas (e amigos delas), suas publicações vão causar uma grande dor, uma sensação de horror e de ataque pessoal. Por que é assim que as suas postagens são construídas. Com a impossibilidade do debate, da divergência e do diálogo. Incitando ao ódio, à destruição da possibilidade de existência daquilo que é criticado.
Eu sei que quando você posta estas coisas, provavelmente (se for uma pessoa com alguma sanidade mental e moral) não enxerga aquele seu colega de trabalho, seu familiar, sobrinho, filho, irmão, amigo como alvo desta postagem. Aquele seu amigo ou parente, apesar de ideias diferentes, lhe parece uma pessoa normal e não o demônio descrito nas postagens. No entanto, é ele mesmo o alvo. É isto que eu gostaria que você entendesse. A violência verbal, física e psíquica está chegando nestas pessoas que você sabe que têm qualidades e defeitos como você e qualquer outro ser humano.
Eu até hoje nunca vi (pode até ser que exista) uma postagem com uma chamada “Vamos exterminar os bolsonaristas”, “Vamos massacrar...”. “Vamos fuzilar”. Pode haver gente com valores distorcidos também no nosso lado, mas tenho certeza que a grande maioria repudiaria este tipo de manifestação, ao menos dentro da pequena sobra de democracia que nos resta.
No entanto, é predominante o uso destes termos - massacrar, fuzilar, exterminar - em muitas postagens do seu grupo, especialmente, mas não exclusivamente, em relação aos integrantes do Partido dos Trabalhadores (sem falar de gays, lésbicas, beneficiários do bolsa família, feministas, nordestinos, etc.). Recentemente o seu candidato, “de brincadeira”, usou estes termos no Acre. Perceba o tom de ódio e o perigo nestas e em outras palavras utilizadas.
O resultado das eleições mostrou que existem mais de trinta milhões de pessoas que, de alguma forma, ainda acreditam no projeto do PT.
Digamos que, deste total, dez por cento sejam de pessoas convictas que trabalham no (e pelo) partido há muito tempo, de maneira idealista. Seriam três milhões de pessoas!! Pessoas que dedicaram a sua vida à construção de um projeto.
Você pode e tem todo o direito de discordar frontalmente do ideal delas (não vamos entrar aqui nos dados que você usa para formar seu juízo de valor), mas quando generaliza que todos são bandidos, vagabundos e devem ser mortos, você está colocando a vida de todas elas em risco. Aquele seu colega que trabalha na saúde pública, aquele professor, o jovem da repartição ao lado, todos estarão ameaçados.
Agora, claro que a dor e a ameaça se triplicam quando são geradas por pessoas dentro da própria família. Família não é lugar pra pensar todo mundo igual, mas uma de suas funções básicas é proteger os indivíduos, dando guarida contra as diversas ameaças do mundo externo.
Quando pessoas, dentro da própria família, publicam insistentemente coisas que, direta ou indiretamente, chamam seus parentes mais próximos de vagabundos, burros, ladrões, preguiçosos, corruptos, bandidos... e pregam o seu extermínio, um drama psicológico de maior proporção se instaura. Tenho visto esta situação se repetir com inúmeros alunos e jovens professores. Estão aterrorizados.
Creio, sinceramente, que uma parte dos eleitores de Bolsonaro deseja realmente exterminar pessoas que pensam diferente, mas outra parte, não. Apenas está manifestando o seu descontentamento com a situação do país. E é somente a esta última parcela que eu gostaria de apelar.
Não estou pedindo para você mudar seu voto, embora gostaria. Estou pedindo para você parar de disseminar a mentira (mesmo que aparentemente coincida com seus valores), a incitação da violência e o ódio.
Pessoas estão sendo atacadas, agredidas, mortas. Muitas estão com medo e fragilizadas emocionalmente. Talvez aquele seu familiar - e pelo que tenho conversado com tanta gente não estou exagerando - esteja dando seu último grito de socorro – antes de um desequilíbrio psíquico mais grave gerado por esta situação. Isto é sério. Há pessoas sádicas que gostam de impor medo e pavor aos outros, mas tenho fé de que você não seja uma destas.
Pense também no futuro mais imediato do país após as eleições. Como será conviver com este clima de guerra?
A cultura do ódio já está muito disseminada. Algumas coisas já se quebraram e as cicatrizes vão demorar muito a desaparecer.
Além de outras coisas ainda piores que podem vir, reconstruir laços afetivos e recuperar equilíbrios psíquicos não vai ser fácil.
Sou professor de História e, pelo pouquíssimo que estudei, posso afirmar que o ódio disseminado pode voltar-se contra você mesmo.
É fundamental que você saiba que é muito mais do que uma questão partidária ou eleitoral. Estamos falando da importância da VIDA de cada um.
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Eu sei que este texto não vai chegar às pessoas que gostaria que lessem (estou na bolha social) e se chegar pode ser lido dentro do clima beligerante, não como uma proposta de diálogo, mas como uma afronta, uma propaganda ideológica (desde já deixo claro que não há nenhuma intenção neste sentido, nem mesmo a esperança de mudar o voto de alguém eu tenho a esta altura). Mas talvez possa dar argumentos a nós mesmos para retomarmos as conversas, o que é uma das nossas possibilidades de sobrevivência...

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