Caro colega (espero que ainda
possa chama-lo assim) eleitor comum do PSL (estou falando com o vizinho, o
colega de trabalho, o familiar, o atendente da padaria...),
Você diz se espantar com o
aumento da intolerância neste momento: pessoas estão rompendo amizades (não só
virtuais).
O que precisamos entender juntos
é que o que está em jogo não é apenas uma questão de voto como escolha pessoal.
O que está em questão e gera todo
este conflito agora é a mentira e a incitação à violência que, em suas
postagens, estão juntas como duas faces da mesma moeda e talvez você não
perceba.
Quando você compartilha notícias
falsas, premeditadamente construídas, sobre Cotas Raciais, Lei de incentivo à
cultura, feminismo, educação sexual etc. e torna isso público e central para o entendimento
social contemporâneo, sem ter lido nada mais sério, sem ter participado de um
debate em que fossem contemplados os vários lados, você está dizendo
simplesmente que a verdade não lhe importa, o que importa é exterminar
aquilo que você entende, ‘preconcebidamente’, como errado.
Daí será importante você compreender
também a consequência dos seus atos. Para muitas pessoas estas coisas que você
critica têm relação com a própria vida pessoal (e, às vezes, das pessoas mais
próximas e queridas), com a sua sobrevivência material, cultura e psíquica.
É claro que, para tais pessoas (e
amigos delas), suas publicações vão causar uma grande dor, uma sensação de
horror e de ataque pessoal. Por que é assim que as suas postagens são
construídas. Com a impossibilidade do debate, da divergência e do diálogo.
Incitando ao ódio, à destruição da possibilidade de existência daquilo que é
criticado.
Eu sei que quando você posta
estas coisas, provavelmente (se for uma pessoa com alguma sanidade mental e
moral) não enxerga aquele seu colega de trabalho, seu familiar, sobrinho,
filho, irmão, amigo como alvo desta postagem. Aquele seu amigo ou parente,
apesar de ideias diferentes, lhe parece uma pessoa normal e não o demônio
descrito nas postagens. No entanto, é ele mesmo o alvo. É isto que eu
gostaria que você entendesse. A violência verbal, física e psíquica está
chegando nestas pessoas que você sabe que têm qualidades e defeitos como você e
qualquer outro ser humano.
Eu até hoje nunca vi (pode até
ser que exista) uma postagem com uma chamada “Vamos exterminar os bolsonaristas”,
“Vamos massacrar...”. “Vamos fuzilar”. Pode haver gente com valores distorcidos
também no nosso lado, mas tenho certeza que a grande maioria repudiaria este
tipo de manifestação, ao menos dentro da pequena sobra de democracia que nos
resta.
No entanto, é predominante o uso
destes termos - massacrar, fuzilar, exterminar - em muitas postagens do seu
grupo, especialmente, mas não exclusivamente, em relação aos integrantes do
Partido dos Trabalhadores (sem falar de gays, lésbicas, beneficiários do bolsa
família, feministas, nordestinos, etc.). Recentemente o seu candidato, “de brincadeira”,
usou estes termos no Acre. Perceba o tom de ódio e o perigo nestas e em outras
palavras utilizadas.
O resultado das eleições mostrou
que existem mais de trinta milhões de pessoas que, de alguma forma, ainda
acreditam no projeto do PT.
Digamos que, deste total, dez por
cento sejam de pessoas convictas que trabalham no (e pelo) partido há muito
tempo, de maneira idealista. Seriam três milhões de pessoas!! Pessoas que
dedicaram a sua vida à construção de um projeto.
Você pode e tem todo o direito de
discordar frontalmente do ideal delas (não vamos entrar aqui nos dados que você
usa para formar seu juízo de valor), mas quando generaliza que todos são
bandidos, vagabundos e devem ser mortos, você está colocando a vida de todas
elas em risco. Aquele seu colega que trabalha na saúde pública, aquele
professor, o jovem da repartição ao lado, todos estarão ameaçados.
Agora, claro que a dor e a ameaça
se triplicam quando são geradas por pessoas dentro da própria família. Família não
é lugar pra pensar todo mundo igual, mas uma de suas funções básicas é proteger
os indivíduos, dando guarida contra as diversas ameaças do mundo externo.
Quando pessoas, dentro da própria
família, publicam insistentemente coisas que, direta ou indiretamente, chamam seus
parentes mais próximos de vagabundos, burros, ladrões, preguiçosos, corruptos,
bandidos... e pregam o seu extermínio, um drama psicológico de maior proporção
se instaura. Tenho visto esta situação se repetir com inúmeros alunos e jovens
professores. Estão aterrorizados.
Creio, sinceramente, que uma
parte dos eleitores de Bolsonaro deseja realmente exterminar pessoas que pensam
diferente, mas outra parte, não. Apenas está manifestando o seu
descontentamento com a situação do país. E é somente a esta última parcela que
eu gostaria de apelar.
Não estou pedindo para você mudar
seu voto, embora gostaria. Estou pedindo para você parar de disseminar a
mentira (mesmo que aparentemente coincida com seus valores), a incitação da
violência e o ódio.
Pessoas estão sendo atacadas,
agredidas, mortas. Muitas estão com medo e fragilizadas emocionalmente. Talvez
aquele seu familiar - e pelo que tenho conversado com tanta gente não estou
exagerando - esteja dando seu último grito de socorro – antes de um
desequilíbrio psíquico mais grave gerado por esta situação. Isto é sério. Há
pessoas sádicas que gostam de impor medo e pavor aos outros, mas tenho fé de
que você não seja uma destas.
Pense também no futuro mais imediato
do país após as eleições. Como será conviver com este clima de guerra?
A cultura do ódio já está muito
disseminada. Algumas coisas já se quebraram e as cicatrizes vão demorar muito a
desaparecer.
Além de outras coisas ainda
piores que podem vir, reconstruir laços afetivos e recuperar equilíbrios
psíquicos não vai ser fácil.
Sou professor de História e, pelo
pouquíssimo que estudei, posso afirmar que o ódio disseminado pode voltar-se
contra você mesmo.
É fundamental que você saiba que
é muito mais do que uma questão partidária ou eleitoral. Estamos falando da importância
da VIDA de cada um.
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Eu sei que este texto não vai
chegar às pessoas que gostaria que lessem (estou na bolha social) e se chegar
pode ser lido dentro do clima beligerante, não como uma proposta de diálogo, mas
como uma afronta, uma propaganda ideológica (desde já deixo claro que não há
nenhuma intenção neste sentido, nem mesmo a esperança de mudar o voto de alguém
eu tenho a esta altura). Mas talvez possa dar argumentos a nós mesmos para
retomarmos as conversas, o que é uma das nossas possibilidades de
sobrevivência...
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