Capítulo I
Desde
a primeira vez que avistou Mariana, Francisco encantara-se com a aura de luz
que enxergava em torno da moça. Mariana era jovem e bela. Seu corpo esguio.
Tudo nela era discreto: o andar, o falar, o olhar. Também sabia fazer pose.
Quando falava, era difícil contrariá-la. Sua circunspecção emanava autoridade,
superioridade. Para Francisco, no entanto, Mariana parecia sempre dócil, amável
e meiga.
O
convívio entre os dois mostrava-se radiante. Mariana, no auge de sua graça,
aparentava inatingível. Francisco tinha o esplendor daqueles que são
arrebatados por imensa paixão.
O
moço vivia a rememorar a primeira vez que se viu frente a frente com ela.
Mariana estava na casa de uma prima que
comemorava aniversário. Francisco também fora convidado para a pequena festa. A
casa era grande, feita de madeira, cercada por um gramado. No fundo havia uma
extensão com lajotas ao chão e uma pequena divisória, onde, à maneira de
depósito, guardavam-se as mais diversas coisas. Lá se encontrava também um
fogão à lenha. Tudo era muito simples e organizado. Flores formavam um pequeno
jardim acompanhando o gramado e um pomar singelo completava o ar bucólico
daquela casa de um bairro afastado da cidade.
Fazia
frio e, como já anoitecia, as pessoas confraternizavam dentro da casa, na sala
de visitas. Francisco não tirava os olhos de Mariana. Ela, como sempre, dava
ares de não perceber nada do que estava à sua volta. No fundo, ela controlava a
situação e tomou a iniciativa decisiva com um olhar discreto que apenas
Francisco captara.
Mariana
saiu discretamente pela por ta dos fundos. Francisco, também de maneira sutil,
não esperou nem dez segundos, e saiu pela porta frente. Fora da casa, pôs-se a
procurar por Mariana, ainda que temeroso. Era um entardecer frio, mas bonito.
Mariana estava no fundo da casa, olhando para o horizonte como se buscasse o
infinito. Na verdade, esperava por Francisco.
E
ele chegou e, antes de falar qualquer coisa, aproximou-se o máximo que pode e
fixou os olhos nos olhos dela. Os olhos de Mariana eram negros e grandes e,
naquele entardecer, ficavam ainda mais misteriosos e indecifráveis. Francisco,
na sua paixão, sempre insistia que não haveria poesia para descrever, natureza
para comparar, nem imagem alguma capaz de refletir o brilho e a magia daqueles
olhos. Pensava-se aprisionado por aquele olhar. Moraria para sempre dentro
dele.
Todos
que conheciam o belo casal admiravam a harmonia que expressavam. Por um lado, a
alegria de Francisco, sua simpatia, movida por imensa paixão. De outro,
Mariana, no auge da graça, radiante, mas sempre demonstrando austeridade e
distanciamento. Muito discreto, o casal pouco abria da sua intimidade, o que
despertava certa curiosidade em vizinhos e conhecidos próximos.
Capítulo II
Há
algo estranho no ar... pensava Francisco, voltando para casa ao meio-dia
daquela quinta-feira fria do mês de maio. Havia esquecido um documento importante
e aproveitava o horário do almoço para buscá-lo. Aproveitou uma carona que lhe
deixou a apenas três quadras de casa.
Logo
que desceu do carro e iniciou a subida daquela pequena ladeira, começou a ter
sensações estranhas. Não conseguia fixar o olhar à frente por muito tempo.
Parecia que uma névoa lhe encobria os olhos e algo lhe dava um aperto no
coração, como uma angústia delirante. Tinha a sensação de que os vizinhos o
espiavam por frestas das janelas das casas por que passava.
Francisco
começou a ficar realmente preocupado. Sua cabeça girava e ele pensava em
Mariana nos lapsos de lucidez que lhe ocorriam. Lembrava do momento em que se
despediu naquela manhã. Um beijo apressado como de costume. Nada diferente,
tudo dentro da rotina. Acelerou o passo. Os olhares dos vizinhos o aborreciam.
Por que não cuidavam de suas vidas? O que eles queriam? Se houvesse acontecido
algo com Mariana já lhe teriam avisado...
Perdi o resto.
Um dia acabarei...
Jean Moreno, 1994.